sexta-feira, 15 de maio de 2009

As dimensões da vida

Aos três anos de idade, tudo é um desafio... E subir aqueles degraus, aquelas gigantescas montanhas de concreto e piso vermelho, era como que impossível! Por que diabos mesmo fui descer? E ainda o homem do algodão-doce nem me viu! Ser um toco de gente é tão difícil... A vida é mesmo ingrata! Se pelo menos tivesse com um doce derreter na boca, a escalada valeria a pena. Sozinha, no meio do jardim, não havia outra opção; encarar era preciso!

Ainda que maquinasse uma estratégia mirabolante, sem suor nada se constrói. Aprendi isso aos 3 anos de idade... Primeiro ficar de pé, testar o equilíbrio dos pequenos pezinhos. Tudo OK. Agora é só fazer como os adultos, um passo à frente do outro... Mas como é que pode? Nem esticando toda minha perna para cima consigo alcançar o degrau. Vai ser, então, como nos filmes: mãos no degrau, agacha, dobra o cotovelo e salta! Pé direito em cima, ufa, primeiro avanço. Agora força nas coxas, rola para a direita, puxa a outra perna e... Pronto! Ah, um degrau... Faltam somente mais cinco!

Aprimorada a técnica, de escalada em escalada, venci! Meio trôpega de cansaço, o sorriso ficou apenas na mente. Nem mesmo a face conseguia mover após o esforço. As mãos eram pura sujeira, os joelhos ralados, as pernas bambas, mal sustentavam o corpinho. Mas estava lá, no alto da montanha. Como esquecer tal sensação?

E foi um rompante de memórias que me atacou na mesma casa de tijolos e grade baixa. Os degraus vermelhos ainda lá, intactos. Era a primeira vez que voltava à morada que me abrigou na infância. Como tudo parece menor... A começar pelo portão. O que antes dava para brincar de balançar no último ferro, hoje não passa da minha cintura. A garagem, que jurava caberem infinitos carros, é pequena para apenas dois. O jardim continua o mesmo, a grama cortada bem baixinha, a árvore anã que era do meu tamanho e que não ultrapassa o joelho do adulto. E os degraus? Bem, as montanhas se diluiram, são somente montinhos vermelhos, tão pequenos. Quase dá para subir de dois em dois... E a varanda, fico imaginando como dava para brincarmos de escorrega com água e detergente. Nem espaço para os escabrosos tombos existe.

Como as dimensões da vida são díspares! Tudo agora mais se assemelha a uma casinha de bonecas. Não apenas a vermelhidão dos degraus como também o rubor da responsabilidade. Foi por esta que revisitei a casa que era dos meus pais. Era... Se o coração disparava, a mão gelava e o rosto se ruborizava quando me via sozinha a escalar a montanha de degraus na infância, imagina agora que sozinha fiquei para sempre? Nem mãe nem pai me socorreriam mais, nem gritariam quando me vissem em pé, radiante, ao pé da escada.

Irônico como as lembranças fazem doer. De felicidade por tê-las vivido, de tristeza por tê-las perdido. Não aprendera que a vida é dificil aos 3 anos? Bem, aos 30 não é diferente. É preciso encarar: entrar na casa, recolher os móveis, roupas, memórias... Nada será mais o mesmo. Em pé na porta de entrada percebo que será mais angustiante que pensara. Meus pais ainda não se foram. E nunca irão. Ao entrar na casa tenho mais certeza que ficarão para sempre cravados em mim...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Um aprendiz de contador...

Primeiro é com rodinhas... Bem mais fácil! Se bem que subir no banquinho não é para mim tarefa tão costumaz. Mas tento. A magrela pende para a rodinha da direita, me ajeito, pende para a esquerda, que medo! Estou no prumo. Agora é só pedalar... Sentir o ventinho bater, hum liberdade! Que liberdade que nada, tem as rodinhas lá embaixo, são elas que conseguem guiar a tal bicicleta, não eu. Novo desafio: me equilibrar sozinha. Ralados no joelho, cotovelo com bicas de sangue, testa com galo. Minha irmã mais velha me empurra: é agora! O guidon descontrolado, cuidado com a parede menina! Mas continuo a pedalar. E não é que consigo domar a tal magrela? Percorrer todo o labirinto do quintal de casa, atravessar perto da mangueira, assustar o cachorro, virar em cima da coluna da varanda até frear no corredor do portão de entrada. Que vitória! Sou a mais nova amansadora de bicicletas...
Da infância se passaram muitos anos. Que bom é saber que experimentar novidades é possível mesmo quando a responsabilidade de uma vida adulta nos bate à porta. São sensações que não nos deveríamos privar. Há os caretas que acham o riso "coisa de menino". Como adoro ser criança! Me sinto como uma agora, tentando domar as palavras como uma aprendiz que não sabe contar, mas finge. Finge para se permitir sentir o vento bater... E só o sentir vale o escrever. Não importa que sejam palavras nunca lidas, elas existiram e pronto! Só o tirar de dentro vale o tempo, o vento, o desabafar... Se queres ser um ouvidor, que entres. Mas não esqueças da minha condição de aprendiz. Amadores são seres humanos que amam, não? Então, visto a roupa. Se até Drummond se disse um aprendiz de contador, porque seria isso tão ruim? Não sou um Carlos, muito menos um Andrade. Sou um Campos que quer ganhar os campos. Posso?